O que a reforma trabalhista traz de positivo e negativo para as relações de trabalho? A nova lei supre lacunas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ou deixa o trabalhador desprotegido? A regra pode gerar insegurança jurídica? Deve acabar com as “aventuras judiciais” de advogados?
O JOTA foi atrás das respostas e ouviu especialistas em direito do trabalho, sindicalista e professores que comentaram sobre a Lei 13.467/2017, que entra em vigor neste sábado (11/11).
Enquanto para alguns a reforma irá acabar com as lacunas da CLT e modernizar as relações de trabalho, outros apontam que a regra gera desigualdade social e acaba com direitos sociais já conquistados.
Leia abaixo os comentários:
“A reforma vai aumentar a desigualdade social”
Márcio Amazonas, procurador do Ministério Público do Trabalho e chefe da assessoria jurídica da Procuradoria-Geral do Trabalho
O procurador acredita que a reforma andou bem em tópicos “pontuais”, porém, para ele, as alterações promoverão a precarização do trabalho. São quatro os pontos principais criticados pelo procurador: possibilidade de terceirização da atividade-fim de empresas, instituição da jornada intermitente, dificuldade no acesso à Justiça por trabalhadores e o famigerado “negociado sobre o legislado”.
Em relação ao último tópico, segundo o qual os termos acordados entre empregados e empregadores poderão se sobrepor à legislação trabalhista, Amazonas acredita que a tendência é a implementação de regras desfavoráveis aos empregados.
“O que a reforma vai fazer é aumentar a taxa de desigualdade social. A tendência é que os ricos fiquem mais ricos e pobres fiquem mais pobres”, diz.
Para ele, a reforma trabalhista sofre de um “vício de origem”, já que a convenção 144 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil faz parte, prevê a consulta popular em casos de alterações significativas na legislação trabalhista. Para Amazonas não foi isso que ocorreu no país.
Por fim o procurador comentou a instituição de multa em caso de litigância de má-fé na Justiça Trabalhista. Para ele, os juízes deverão ser cautelosos ao aplicar o instituto.
“Nem tudo que é improcedente é má-fé”, salienta.
“A reforma trabalhista regulou assuntos que antes ficavam à mercê do posicionamento e interpretação do Poder Judiciário”
Luiz Fernando Alouche, Sócio responsável pela área trabalhista do IWRCF Advogados
Segundo o advogado, o ponto positivo da reforma foi a intenção do legislador em permitir maior liberdade e autonomia ao empregador e empregado para discutirem condições de trabalho sem “tanta interferência do Estado”. Um exemplo disso é o aumento do prestígio das negociações coletivas, com o predomínio dessa negociação sobre a lei.
A parte negativa, no entanto, foi o avanço em temas que o Poder Judiciário se posicionará contra, já que são vedados pela Constituição Federal. É o caso do Termo de Quitação Anual, que de acordo com a reforma poderia seria assinado pelo trabalhador para atestar que as obrigações trabalhistas foram devidamente pagas. Para Alouche, “ainda há muita fragilidade jurídica” para a manutenção da validade do documento.
A reforma, afirmou Alouche, não desprotege os empregados, mas regula assuntos que antes ficavam à mercê do posicionamento e interpretação do Poder Judiciário, o que, para ele, dava insegurança jurídica tanto aos empregados quanto ao empresário.
O advogado afirma ainda que mesmo antes da reforma os juízes já possuíam as ferramentas processuais para punir as “aventuras judiciais”. Na linha de impedir ações aventureiras, Alouche cita como sendo “uma grande evolução” a atribuição de pagamento de honorários advocatícios aos empregados que perderem a causa.
“Com isso, certamente haverá mais atenção aos pedidos formulados nas reclamações trabalhistas, para se ater a eventuais infrações que possam ter ocorrido durante o contrato de trabalho, sem malabarismo e/ou inclusões de pedidos sem fundamento”, afirmou.
“Não houve modernização e sim retrocessos”
Guilherme Feliciano, presidente Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho)
O juiz afirma que o ponto mais negativo da reforma trabalhista são as inconstitucionalidades, como a restrição ao acesso à justiça pelo trabalhador, que é hipossuficiente. Isso porque, segundo ele, o trabalhador pobre deverá arcar com honorários advocatícios se perder a ação, além de honorários de perito e custas se não comparecer à audiência.
Segundo ele, apesar de a nova regra não prever muitos pontos positivos, é possível citar a incorporação do modelo de repartição dinâmica do ônus da prova que está no Código de Processo Civil. A reforma permite ao juiz ajustar o ônus da prova ao contexto processual do caso concreto.
Para Feliciano, a reforma trabalhista poderia ter modernizado alguns pontos, mas deveria ter “olhado em outra direção”. Feliciano apontou que algumas questões poderiam ter sido citadas na reforma, como a situação dos trabalhadores que atuam em companhias como o Uber e a monitoração do funcionário por câmeras no local do trabalho.
Além disso, o juiz afirma que por ter sido votada em pouco tempo, a lei tem omissões graves que agora vão desaguar no Judiciário.
Por fim, ele afirma que há uma expectativa exagerada quanto à possibilidade de a reforma acabar com as “aventuras judiciais”, já que mesmo antes da reforma trabalhista o juiz já podia aplicar multas por litigância de má-fé pelo Código de Processo Civil (CPC).
“Não houve qualquer debate ou discussão prévia com a comunidade jurídica e a sociedade em geral”
Roberto Parahyba, presidente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat)
Para o advogado a reforma tem pontos positivos, como a contagem dos prazos processuais em dias úteis. O mais negativo, para ele, é a “quebra do paradigma principiológico do Direito Material e Processual do Trabalho construído ao longo de anos”.
Parahyba questiona o fato de, apesar de alterar diversos dispositivos legais, a reforma tenha sido aprovada em regime de urgência pelo Congresso e “sem qualquer debate ou discussão prévia com a comunidade jurídica e a sociedade em geral”. Isso, para ele, fez com que a norma fosse editada com “vários equívocos”.
Em relação à instituição da litigância de má-fé na Justiça do Trabalho, o advogado lembra que a ferramenta já era adotada por esse ramo do Judiciário.
“Tal qual no processo civil, [a litigância de má-fé] deve ser aplicada com prudência e serenidade, para que não se inviabilize ou avilte o direito constitucional de ação ou o de defesa”.
“Não será a legislação que vai modernizar as relações trabalhistas”
Paulo Sérgio João, Professor da FGV
Para o professor de Direito do Trabalho da FGV, o ponto mais positivo da reforma trabalhista é a discussão de uma legislação antiga e desatualizada. Segundo ele, a reforma incorpora práticas já adotadas e algumas situações sobre as quais a jurisprudência já tinha se manifestado.
Ainda, afirmou, a mudança substancial é no modelo de proteção, que fica mais focado na obrigação contratual e na boa fé, sempre com responsabilidade dos contratantes.
Para João, a lei não gera insegurança jurídica, os ajustes dos fatos à lei é que dão oportunidade de interpretações. Ele explica que tudo dependerá de como serão aplicados os novos dispositivos da reforma.
Em relação à possibilidade de ser aplicar multa de até 10% do valor da causa nos casos em for constatada a má-fé de uma das partes, o professor afirma que a oneração do processo pode levar as pessoas a repensarem o que pleitear, evitando aventuras que muitas vezes “poluíam” as ações com pedidos infundados.
“Haverá qualificação de pedidos, e quando houver ofensa a reparação será atendida”, concluiu.
“Não é alteração legislativa que gera emprego”
Antonio Fernandes dos Santos Neto, presidente da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB)
Para o sindicalista, o governo deveria investir em infraestrutura a fim de impulsionar a atividade econômica e, assim, incentivar as empresas a contratar. Ainda, preservar os salários seria essencial para manter a demanda doméstica. “Para sobreviver, o famoso ‘Deus mercado’ precisa que a classe operária tenha poder de compra”, afirma.
Além disso, o presidente da CSB alerta que a nova lei pode não “pegar”. Santos avalia que muitos artigos se contradizem e, em decorrência disso, os juízes podem interpretar o texto de formas muito diferentes. A jurisprudência diversa reduziria a segurança jurídica e incentivaria que algumas propostas ficassem só no papel.
Santos alega que a reforma legitimou contratos “esdrúxulos”, a exemplo do trabalho intermitente. Para ele, a lei não esclarece como se assegurariam os direitos ao décimo terceiro salário, às férias, à assistência médica, entre outros. O dispositivo tampouco detalharia como serão recolhidos tributos como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Por fim, o sindicalista rejeita a multa de até 10% do valor da causa quando o juiz entender que as partes agiram de má-fé. “A intenção é constranger o trabalhador para que ele não entre na Justiça”, defende. Santos afirma que os julgadores já têm capacidade de punir atitudes mal intencionadas. “Não precisava negar aos trabalhadores o direito à Justiça”.
“É necessário tempo de maturidade para que possamos mensurar como as empresas vão aplicar a reforma”
Ricardo Calcini, professor de Direito do Trabalho
Segundo Calcini, a reforma traz como ponto positivo uma liberdade maior da negociação no âmbito sindical e individual. Já como negativo, ele afirma que a recepção das alterações sensíveis da lei pela Justiça do Trabalho podem gerar insegurança jurídica entre trabalhador e empregador.
Calcini afirma ainda que há situações em que direitos serão flexibilizados, como nos casos de contratos intermitentes. No entanto, segundo ele, a reforma pode trazer um aumento de postos de trabalho com registro em carteira.
Além disso, o professor de direito do trabalho lembrou que é natural, em qualquer mudança de legislação, um momento de aprimoramento dos debates.
“Debates vão existir e juízes, em um primeiro momento, vão se mostrar reticentes em aplicar a reforma trabalhista. É necessário tempo de maturidade e interpretação até para que possamos, na prática, mensurar como as empresas vão aplicar a reforma trabalhista, ou seja, se elas vão aplicar a lei de uma maneira idônea e correta ou se vão usá-la como subterfúgio para praticar fraudes. Neste momento inicial vai haver insegurança jurídica”.
“A maioria dos direitos dos trabalhadores está na Constituição”
Sylvia Lorena, gerente executiva de Relações do Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI)
A gerente da CNI afirma que os direitos trabalhistas permanecem preservados independentemente da reforma. Isso porque a maioria deles está assegurada pela Constituição. São exemplos as férias, o décimo terceiro salário, o adicional de horas extras e a licença maternidade.
Lorena também ressalta que, para regerem os contratos, as negociações coletivas dependem do comum acordo entre as partes. “Se não houver vontade do trabalhador ou da empresa, vai valer o que está na lei”, argumenta.
Outro benefício da reforma seria a regulamentação de modalidades já praticadas no mercado, a exemplo do teletrabalho – conhecido como home office – e do trabalho intermitente. Segundo a gerente, as mudanças legais trariam mais segurança para empresas que já empregavam dessas maneiras, bem como encorajariam companhias a testar outras formas de contratação.
“A reforma acaba por adequar a legislação à realidade.”
Fonte: JOTA, por Bárbara Mengardo, Livia Scocuglia e Jamile Racanicci, 11.11.2017